BLANCA HERNANDO BARCO

BLANCA HERNANDO BARCO

O texto a seguir foi publicado originalmente no livro "Sultaque - Identidade Cultural - Sotaque Curitibano"

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Zilá Maria Walenga Santos

Blanca Hernando Barco, filha de imigrantes espanhóis, brasileira, nascida em Curitiba, é filha de imigrantes espanhóis vindos para o Brasil na década de 1960. O seu pai veio da Espanha sozinho, em 1959, e sua mãe em 1952, com sua família. Eles se conheceram em Curitiba.

Blanca sempre atuou junto ao pai, que foi cônsul da Espanha em Curitiba por 42 anos – ela assumiu o cargo recentemente. Dessa forma, sempre esteve em contato com a comunidade espanhola, não só no consulado como nas atividades que desenvolve no Centro Espanhol do Paraná e mantém cursos de danças folclóricas de várias regiões da Espanha. Ela ensina para crianças e jovens a dança da região de Aragon e também o flamenco; em paralelo a estas atividades, atua também como tradutora.

Aprendizado da língua e conflitos de comunicação

Desde criança, Blanca sempre teve desenvoltura no aprendizado da língua doméstica e por causa disso encontrou dificuldades no aprendizado do português – apesar de aparentemente serem línguas parecidas, existem muitas diferenças no vocabulário e na formação de alguns fonemas. Aos 7 anos, ingressou na escola para começar a compreender e aprender a língua portuguesa. Com essa bagagem, também ajudou seus filhos tanto no aprendizado do espanhol quanto do português.

Blanca lembrou que, quando vai para a Espanha, acham que ela não tem origem espanhola e de nenhum país de língua latina, apesar de falar o espanhol perfeitamente. Isso se dá justamente pelo fato dela não ter sotaque. No entanto, ela foi percebendo que quando fala em espanhol se apropria naturalmente da estrutura gramatical da língua portuguesa.

O que se percebe é que Blanca, ao falar português, emite alguns fonemas da língua espanhola. Como exemplo a letra R – em início de palavras, ela o emite de duas formas distintas: de forma gutural (raspando na garganta, fonema tipicamente brasileiro), mas também utilizando o som vibrante (característico da língua espanhola). Da mesma forma com a letra “L”, usada em palavras que terminam em L como “mel”: os brasileiros dizem “méu” e os espanhóis e eslavos “mel”, pronunciando o L enrolando a língua.

Preservação da cultura

A preservação da língua pátria sempre foi muito exigida na casa de Blanca. Com idade escolar, ela e o irmão começaram a falar em português em casa, mas sua mãe exigia que eles traduzissem para o espanhol, porque seria a herança que deixaria para eles. Isso contribuiu muito para que Blanca dominasse cada vez mais os dois idiomas. O fato dos seus pais e alguns parentes mais próximos, também imigrantes, falarem só em espanhol reforçou esse aprendizado.

Ela lembrou que, de um modo geral, os imigrantes que vieram ainda adolescentes na década de 1960 não preservaram a língua pátria porque a prioridade, na época, era se adaptar e buscar condições socioeconômicas para o sustento de suas famílias. Vieram sem condições financeiras, mas superaram as dificuldades com a ajuda dos imigrantes que já estavam no país e também dos brasileiros. Para tornar mais confortável a comunicação com os brasileiros, que exigia cada vez mais o conhecimento da língua portuguesa, empenharam-se em seu aprendizado. Com isso, a língua pátria deixou de ser praticada e, consequentemente, não foi transmitida aos descendentes.

Um outro que aspecto que contribuiu de forma significativa e que ocasionou perdas de algumas palavras oficiais do vocabulário espanhol foi a mistura com o vocabulário português. Blanca contou que, em uma viagem que fez para a Espanha aos 12 anos, foi em uma papelaria e pediu uma “caneta”, mas no vocabulário espanhol se diz “bolígrafo”. Ela não sabia disso e nunca a haviam corrigido. Essa mistura ocorre de maneira muito natural devido à proximidade dos dois idiomas, o que de certa forma criou o vocabulário que chamamos de “Portunhol”.

Uma das características da imigração espanhola, mesmo em Curitiba, é que os imigrantes se espalharam nos locais escolhidos para morar e não formaram colônias com outros conterrâneos, ao contrário de outros grupos imigrantes que vieram ao Brasil. Ao chegar em Curitiba, os espanhóis se dirigiam à Sociedade Espanhola, antigo Centro Espanhol do Paraná. Com a ajuda e indicação dos que já moravam na cidade, foram adquirindo terrenos e/ou casas, que na verdade ficavam próximos uns dos outros, no mesmo bairro.

A intenção dos espanhóis era de irem para a Argentina, em razão do idioma. Porém, naquela época não tinham a “Carta Aberta de Chamamento” e tiveram que vir para o Brasil. Blanca lembra que os espanhóis são todos muito agradecidos aos brasileiros pela acolhida e oportunidades de crescimento que encontraram no Brasil.

A família Hernando Blanco, por meio das atividades e eventos que são realizados no Centro Espanhol do Paraná, busca preservar a cultura espanhola, onde além da típica comida espanhola, mantém um grupo folclórico com danças típicas das regiões de Andalucía, Aragón e Galicia e uma companhia de dança flamenca.

Ela contou que, em breve, pretende em implantar uma escolinha no Centro Espanhol do Paraná. Além das danças folclóricas, será ensinada a língua espanhola para crianças e jovens filhos de espanhóis, e também a interessados que queiram aprender. Com isso, irá incentivar o interesse da comunidade não só pelo o aprendizado da língua espanhola, mas pela sua cultura, zelando por sua preservação.


Contribuição socioeconômica da cultura espanhola

Os espanhóis que se instalaram em Curitiba se dedicaram ao comércio, à gastronomia e às profissões liberais, entre elas o ofício de ”Canteiro”.

“Cantaria” é o ofício ou arte de talhar blocos de rocha bruta de forma a constituir sólidos geométricos, normalmente paralelepípedos, de variável complexidade, para utilização na construção de edifícios ou de muros. Os diferentes artesãos envolvidos no processo são chamados de canteiros, cabuqueros, escultores, pedreiros ou cortadores. O trabalho da pedreira foi em grande parte mecanizado, causando o desaparecimento gradual dos ofícios de pedreiro. Sua produção é destinada, preferencialmente, à restauração de edifícios de alto valor arquitetônico e patrimonial, ao revestimento de fachadas e à elaboração de paredes de alvenaria”. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Canteria.

A “Cantaria”é uma herança dos imigrantes espanhóis em Curitiba, que deixaram sua marca em grandes edificações da cidade, como o Teatro Guaíra, a Biblioteca Pública do Paraná, o Tribunal de Contas e o Palácio do Governo do Paraná, além da valiosa contribuição para a criação da Praça da Espanha.

Nas residências de Blanca e de seus pais, também pode-se constatar a utilização desta técnica na construção de muros e paredes. As pedras são lapidadas de forma a encaixar perfeitamente umas nas outras. Estas obras foram realizadas pelo Canteiro Manoelito.


Parede de Cantaria

Foto de Fernando Santos


Praça da Espanha

Sobre a criação da Praça da Espanha, Blanca conta que o Sr. Antonio Bau Urios – então Cônsul Honorário da Espanha em Curitiba em 1950 e também dono da Indústria Bau de Mármore –, em colaboração com a cidade e em homenagem à Colônia Espanhola, contribuiu com a reforma e a transformação do paisagismo do local que era então chamado de Praça Alfredo Andersen. Bau Urios ficava sempre incomodado com o lixo que se acumulava na praça, observava isso diariamente, pois era seu trajeto a caminho do trabalho. Fez então uma proposta ao prefeito: se aquela área fosse limpa, ele construiria no local uma praça, o que acabou acontecendo.



Foto de Fernando Santos


Na Praça da Espanha, existe um pedestal em mármore, no qual está assentado um busto em bronze de “Miguel Cervantes Saavedra”, de autoria do escultor Leopoldo Torralhado, e também uma pedra em mármore na qual se lê “Praça da Espanha – Bau & Irmão do Paraná Ltda”.

Alcains,http://www.fernandopaulouro.com/2014/01/As mãos e as pedras de Alcains

5ª BienalVentoSul, Curitiba, 2099, pag.98