NEY MOREIRA DE FREITAS

Alvaro da Silva e Ney Luiz Moreira de Freitas

O texto a seguir foi publicado originalmente no livro "Sultaque - Identidade Cultural - Sotaque Curitibano"

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Zilá Maria Walenga Santos

NEY LUIZ MOREIRA DE FREITAS

Representando a Sociedade Beneficente Operária 13 de Maio

Etnia: descendente de 4ª geração de negros brasileiros

Ney Luiz é bisneto de Vicente Moreira de Freitas, fundador e presidente da Sociedade Operária Beneficente Treze de Maio, criada no pós-Abolição da Escravatura por homens recém-libertados. A instituição foi aberta para ajudar esses homens na adaptação de sua nova condição social, e fornecia assistência médica-hospitalar, funerária, educacional, social e trabalhista. Seu maior objetivo era dar abrigo aos recém-libertos, o que consta na ata de sua primeira reunião no dia 3 de maio de 1888, quando se reuniram para decidir sobre a abertura de uma casa de apoio. A fundação aconteceu no dia 6 de junho do mesmo ano, em um terreno doado pela prefeitura. O presidente atual da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio é o sr. Alvaro da Silva, que está na função há mais de 40 anos, quando recebeu o comando das mãos do seu pai, que havia presidido a instituição por um período de 30 anos.

Nas palavras de Rafael Greca, atual prefeito de Curitiba, publicadas em sua coluna, do dia 20 de abril de 2016 no Blog do Esmael (www.esmaelmorais.com.br), os seguintes dizeres sobre Os Negros em Curitiba:

“Gloriosa ainda, entre nós, a história da “Sociedade Operária e Beneficente 13 de Maio”, também no Alto de São Francisco. Associação de Homens Livres, fundada nos idos de 1888, após a Abolição da Escravatura no Brasil, resiste na Rua Clotário Portugal, hoje espaço apropriado pelo movimento Afro Brasileiro”.

“...foram mãos de negros que talharam as pedras em matacões que revestem o Caminho do Itupava, que ainda persistem em umas poucas calçadas desta técnica preservadas em Curitiba – a mais destacada no começo da Rua Mateus Leme, na lateral da Igreja da Ordem, outras nas ruazinhas do Cemitério Municipal”.

“Foram mãos de negros que ergueram o casario e as antigas igrejas, a alvenaria de pedra, seja das Ruínas de São Francisco, seja da própria Igreja da Ordem, seja da Casa Romário Martins, isto sem falar na Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito (1737), infelizmente demolida em 1930 para dar lugar ao atual templo...”

“... a emancipação política do Paraná, a 19 de dezembro de 1853, coincidiu com a proibição do tráfico de escravos pela lei “Euzébio de Queiroz” (1850), o que diminuiu o contingente trabalhador. Tanto assim que Zacarias de Góes e Vasconcelos percebeu necessidade de mão de obra de homens livres para fomentar nossa parca economia. O Paraná sofria penúria, carência de víveres alimentícios, por falta de quem plantasse. Assim, a Assembleia Provincial aprovou, a 21 de Março de 1855, a Lei nº 29, que regulamentou o patrocínio oficial da imigração europeia. Começava a se formar “ O Brasil Diferente”, mas a contribuição dos negros ainda persistiria...”


Acervo Fundação Cultural de Curitiba

Ney é formado em Direito e atua na Sociedade 13 de Maio frente às demandas administrativas e jurídicas. Também tem empreendido ações no sentido de recuperar e resguardar a história da instituição, cuja documentação, desde a sua fundação, registra histórias da formação da cidade de Curitiba e histórias vividas pelos negros daquela época.

Entre os negros libertos que fundaram a sociedade, muitos já eram habitantes da cidade e trabalhavam como operários, na grande maioria como pedreiros, profissão na época muito estimada. Curitiba estava em fase de crescimento nesse período e havia muitas construções sendo feitas, entre elas a da Igreja Catedral, onde os negros foram trabalhar, inclusive seu bisavô Vicente Moreira de Freitas – Ney destacou que esse sobrenome vem do construtor José Moreira de Freitas, que era o “Senhor” de Vicente; há uma matéria publicada no jornal da época a esse respeito.

Ney também lembrou que os imigrantes foram chegando – todos brancos europeus, entre alemães, portugueses e italianos – e que para eles foi algo impactante encontrarem na cidade tantos negros de origem africana. Os imigrantes também foram trabalhar na construção da igreja, que foi chamada de “Babilônia”, como se fosse uma Torre de Babel, pela diversidade étnica reunida. Porém, com o passar dos dias, os negros foram preteridos no trabalho da construção pelos imigrantes, que tinham mais experiência, o que acabou gerando um conflito que depois foi superado.


Construção da Catedral

Acervo Fundação Cultural de Curitiba

“...a notabilidade negra está nos traços da cidade. Existem monumentos e locais que fazem referência à presença e à memória escrava na capital, como por exemplo o antigo Largo da Fonte, construído na Praça Zacarias, homenagem ao primeiro presidente mulato da província do Paraná, Zacarias de Goés e Vasconcellos (1853-1855). Outros exemplos, como o Pelourinho na Praça Tiradentes e a Praça Zumbi dos Palmares, são pontos conhecidos da cidade. O antropólogo Jurandir de Souza afirma que é difícil transitar pelo centro da cidade sem recordar dessa presença, já que a maior parte dos prédios históricos foram construídos por braços negros...”

Fonte: Negritude em Curitiba, O "Ser Negro" na "Europa Brasileira”, Vinicius Severiano. Wixsite.com/negritude em Curitiba

“Assim como ocorreu após a descoberta das ossadas que afloraram nos pisos quebrados da Gamboa, é preciso quebrar algumas narrativas construídas ao longo do tempo e lançar novos olhares sobre um passado e um presente constituídos por uma raça, não por uma cor. É preciso referenciar lutas e conquistas. Como as de Enedina Alves Marques, que mesmo sendo babá e empregada, almejou ser professora, conquistou o título e foi além: prestou exames, estudou e formou-se como a primeira mulher negra engenheira do Brasil”.

“Lutas como a de Vicente Moreira de Freitas, escravizado que, como artífice na construção da Catedral, conseguiu comprar sua alforria e fundou junto com outros ex-escravos o primeiro clube negro de Curitiba, o 13 de Maio”.

Fonte: Jornal Gazeta do Povo, do dia 22/11/2015, matéria de Clarissa Grassi intitulada “Nosso passado é negro”.


Ney ainda falou sobre a apropriação de palavras de origem africana no vocabulário português, como piá, guri, moleque, samba e caçula, e sobre a herança cultural da alimentação africana – citou duas que são muitos populares entre nós: o mungunzá, que nada mais é do que a nossa canjica, e também a feijoada, que na verdade se trata de uma rica composição de raças, porque na sua feitura são utilizadas carne de porco, muito usada pelos portugueses, e demais ingredientes que tem suas origens em culinárias de variados grupos étnicos. Como já citado por Iyagunã Dalzira, a “criação” da feijoada tem origem nas mãos dos escravos que faziam o reaproveitamento das sobras que os “Senhores e Senhoras” das fazendas não utilizavam em sua alimentação.

Ele destacou ainda que Sociedade 13 de Maio é uma instituição de resistência da cultura negra e oferece, além do Samba de Raiz, a capoeira e a rica gastronomia de origem africana.