ZILÁ MARIA WALENGA SANTOS

ZILÁ MARIA WALENGA SANTOS

Descendente de poloneses

Sou descendente de avós paternos nascidos na Polônia e pai nascido na Iugoslávia. Minha mãe é brasileira, nascida em Cerro Azul, Paraná. Meus avós Jan e Tekla Walega, meu pai Yusef e seu irmão Pawel (nomes modificados na chegada ao Brasil para o português), chegaram no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1926. Muitos tios e primos do meu pai também imigraram juntos da Polônia e se estabeleceram na região da Vila Lindóia e da Vila Guaíra, em Curitiba. Com orgulho, ilustro algumas imagens da documentação de imigração.

Dificuldades com a língua portuguesa

Meu avô trabalhou como operário em alguns locais, principalmente em construtoras na abertura e pavimentação de ruas. Abaixo, uma imagem da carteira de trabalho dele, na qual curiosamente consta a seguinte observação no registro: “enquanto houver trabalho”.

Meu pai aprendeu a língua portuguesa nos poucos anos em que frequentou a escola primária em Curitiba. Aos poucos, perdeu seu sotaque estrangeiro, provavelmente pelo fato de ter casado com uma brasileira. Assim como os demais imigrantes, ele também teve que aprender o português para conseguir se comunicar e arrumar um emprego. Começou a trabalhar muito jovem numa fábrica de brinquedos em Curitiba, onde mais tarde conheceu a minha mãe.

Em casa, já adolescentes, estranhávamos muito quando íamos em festas da família e ouvíamos meu pai falando com muita naturalidade a língua polonesa com os seus parentes – nós não entendíamos nada.

Minha mãe nasceu em Cerro Azul, cidade paranaense na região do Vale da Ribeira. Sua família trabalhava nas plantações e ela permaneceu na cidade até a adolescência, quando então veio para Curitiba para trabalhar e ficou na casa de parentes. Era uma parte índia, outra cabocla e outra alemã – a mãe dela era alemã, de olhos profundamente verdes e com um palavreado e costumes muito diferentes do estilo europeu do meu pai. Ajustes foram necessários para dar tudo certo entre eles.

Preservação da cultura

Sempre participávamos das comemorações festivas da comunidade polonesa e ucranianas e houve muitos casamentos entre as duas etnias. Uma das coisas que me lembro é justamente as “Festas de Casamento”. Quando se anunciava um casamento, virava um fervor dentro das famílias, não se falava em outra coisa, era o tema do almoço e do jantar. As famílias ficavam num corre-corre, falavam sobre as roupas que seriam mandadas fazer, porque tudo era feito pelas mãos das costureiras – tiráva-se o molde de algumas revistas e saíamos comprar os tecidos e os acabamentos. Os homens procuravam os alfaiates para fazerem seus ternos.

Lembro até hoje de um certo “Bolerinho”, com bolinhas preto e branco, das meias brancas com “pompom” pendurados e um sapatinho de verniz que usei aos 7 anos de idade. Era o luxo da época entre nós, nada caro, mas feito do nosso gosto.

As famílias se visitavam seguidamente e quando se aproximava a semana do casamento, a gente ficava mais na casa da noiva do que em nossa casa. Preparavam-se as conservas, os pães, os docinhos e a massa do bolo, que era recheado e enfeitado um dia antes. Sempre tinha “um gaiteiro” e a festa corria solta para os convidados até o almoço no dia seguinte. Era tudo muito animado. Infelizmente, hoje em dia esse tipo de evento não ocorre mais como antigamente. Vão se perdendo alguns costumes.

Entre os poloneses, preservou-se muito as questões religiosas e seus ritos e comemorações: a dança e a música por meio do folclore preservado e difundido pelo vários grupos existentes no Paraná; o artesanato manual, bordados e crochês; as comemorações religiosas, principalmente a Páscoa e o Natal; e também as comidas como o pastel cozido acompanhado de molho com linguiça, as sopas de beterraba e verduras em geral, o pão feito em casa, as conservas de pepino azedo, de repolho e o chucrute, e as bolachas decoradas.

Por parte de minha mãe, herdei do brasileiro a cultura meio “cabocla”. Aprendi muita coisa: fazer linguiça e defumar no fogão a lenha; fazer uma polenta bem-feita com frango no molho com radite; plantar na horta de casa e fazer conserva de frutas e legumes que tirávamos do quintal nas épocas certas. Eram meios de sobrevivência, para não passarmos nenhuma necessidade, pois éramos uma família simples e operária. Até hoje faço a “Madalena”, que hoje chamam de “Escondidinho”, ora de frango, ora com carne moída e bem temperada; e o “nhoque”, que minha mãe enrolava no mármore, com molho e queijo ralado.

Mas não nos foi transmitida nenhuma herança da língua polonesa. Na nossa casa, meu pai não falava o polonês e, quando éramos adultos, também não nos dedicamos ao aprendizado, o que hoje lamento profundamente.

Lembro de algumas palavras e expressões do “jeito” que minha mãe falava – o qual, com o tempo, ela foi corrigindo, e que eu também me corrigi ainda quando criança: “tá de varde” (estar à toa sem fazer nada), “vou pinchar” (colocar), “vou coser” (costurar), “arear a panela” (dar brilho nas panelas com areia), “ir alinhavando” (ir adiantando alguma coisa), “bater a roupa” (literalmente bater a roupa com sabão na pedra para limpar). Entre tantas outras expressões que ouvia na minha infância, recordo também de como chamávamos o material escolar: “penal” era o estojo de lápis; usávamos a “caneta tinteiro”, que “voltiemeia” (outra expressão que usávamos e ainda usamos) tínhamos que encher de tinta; “tô encarangada hoje” (tudo dói) ou “tô esbugalhada”; e por aí vai.

Estudei até a 5ª série do primário no Instituto São Vicente de Paulo, na Vila Isabel, onde hoje funciona a Secretaria de Educação do Paraná. A metodologia de ensino daquela época era muito diferente da atual – em sua maioria, as professoras eram freiras e exigiam muito das crianças. Não foi muito fácil. Morávamos ao lado do instituto, na metade de uma chácara. Não havia água encanada para todos ainda e buscávamos a água para beber de uma torneira da rua. Para as outras coisas, usávamos a água do poço.

Casei com um descendente de alemão, que também trouxe parte da sua cultura da qual muito absorvemos, principalmente na alimentação. Tenho dois filhos que, assim como eu, também não herdaram nenhuma das línguas dos avós paternos e maternos.

Sotaque curitibano

Sou o que podemos chamar de tipicamente curitibana, com todos os exageros possíveis. Falo de forma muito silábica, pronunciando todos os “ês e ens” com toda a ênfase possível, uso e abuso de nossas gírias e dos nossos costumes. Sou aquela que anseia pelo frio para colocar a bota, mantas, luvas e gorros. Acho lindo o sol de outono e de inverno, não reclamo da chuva; do frio, só quando está demais mesmo. Mas, diferente do que falam sobre o curitibano, tendo oportunidade, puxo conversa e gosto de um bom papo, principalmente com que não é daqui. Sou educada e gentil com quem me faz perguntas nas ruas, e gosto muito de mostrar nossos valores culturais e sociais. Amo nossa cidade!