KARIN REUCHER

KARIN ELISABETE REUCHER

O texto a seguir foi publicado originalmente no livro "Sultaque - Identidade Cultural - Sotaque Curitibano"

Todos os direitos reservados. Autorizada a cópia de parte ou totalidade da obra desde que citada a fonte.

Zilá Maria Walenga Santos

KARIN ELISABETE REUCHER

Etnia: descendente de alemães

Karin, 59 anos, é descendente de 1ª geração de imigrantes alemães. Seu pai veio ainda criança com seus avós fugidos da Alemanha, em meio à 2ª Guerra Mundial. Seus avós e seu pai nasceram em Paderborn, cidade localizada perto de Düsseldorf, e a avó paterna era francesa. Chegando ao Brasil, a família foi para Porto União (SC), onde ela nasceu.

Karin, que tem mãe brasileira, tinha 4 anos quando veio para Curitiba. Seu pai era torneiro mecânico e havia chegado na capital paranaense um ano antes, para conseguir arrumar trabalho – à princípio com dificuldade, pois não sabia falar o português e por isso não conseguia um bom trabalho no seu ofício. Só mais tarde, quando se empenhou e aprendeu o idioma e fez alguns cursos, conseguiu melhores trabalhos. A família está há 55 anos em Curitiba, residindo na mesma casa desde então.

Aprendizado da língua e conflitos de comunicação

Karin contou que em casa só se falava a língua alemã. E seus pais, depois que aprenderam o português, só falavam a língua entre eles, por isso ela e o irmão mais velho não aprenderam. Somente começou a aprender a língua portuguesa quando foi estudar no Colégio Santa Cândida, aos 7 anos de idade. Ela lembrou que sua professora era a Madre Ana e que era muito difícil entender o que ela dizia. A professora também não entendia o que ela falava e por essa razão normalmente ia para a “sala de castigo”, o que incluía receber batidas de colher de pau nas mãos e ficar de joelhos em cima de grãos de milho.

Karin relatou que dizer os números trazia problemas, pois aprenderam a falá-los em alemão e, automaticamente, repetiam a pronúncia na sala, o que gerava conflitos e castigos. Para ela, a maior dificuldade era juntar as letras e pronunciar as palavras. Ela lembrou ainda que havia crianças polonesas na escola que passavam situações piores ainda que a dela. Disse também que a língua alemã favorece muito mais o aprendizado da língua inglesa, por serem muito próximas, diferente das línguas eslavas e o português.

Karin lembrou que a família era discriminada em Curitiba por serem muito “branquinhos” e falar uma língua estranha. “As pessoas olhavam para gente meio de atravessado”, relatou.

Ela e o irmão não conseguiam interagir com as outras crianças por causa do idioma. Comunicavam-se por mímica ou então não se misturavam. No recreio, os dois ficavam sentados de um canto, os poloneses que passavam pela mesma situação em outro, e os brasileiros ficavam juntos também. A escola tinha muitas crianças polonesas devido à colonização na região. Nas poucas vezes que brincavam, a comunicação com as outras crianças era através de gestos, que indicavam o que tinha que fazer, pois ainda não entendiam a língua portuguesa. Aos poucos foram aprendendo a ler e a se comunicar e, em dois anos, já tinham aprendido o português.

A comunicação da família com as outras pessoas também não foi fácil. Seu pai teve alguns empregos e teve que voltar a estudar para aprender a falar o português e conseguir um emprego melhor. Ele fez o curso de torneiro mecânico no Senai e foi trabalhar na fábrica Müller & Irmãos. Sua mãe foi trabalhar como doméstica e a avó lavava roupa para fora.

Um exemplo da dificuldade que sua mãe tinha na comunicação era a visita ao “mercadinho do Seu João”. Ela dizia “eu quero pão”, que soava muito estranho por não ser entendido nem como português como alemão. Karen lembrou que todos brincavam e diziam que sua família era “DEUTSCFARDERA”, um misto de português com alemão. A mãe aprendeu a falar em português o nome das principais mercadorias – açúcar, sal, feijão, pão, trigo –, mas acabava misturando com o alemão e dizia “ITH BRAUCH”, “ITH BRAUCH”.

As pessoas riam muito, mas, no final, acabaram se tornando bastante amigos porque sua família foi uma das primeiras moradoras do bairro – só havia mais três famílias, que tinham que conviver entre si e acabaram aprendendo um pouco do alemão e entendendo o que Karin e sua família diziam.

Preservação da cultura

Karin atribui a preservação da língua alemã ao fato de só se comunicar através dela em casa com os familiares, principalmente com a sua avó, que cuidava dela e do irmão. Seus avós e seu pai seguiram as regras que tinham na Alemanha: quando estivessem fora de casa, poderiam falar qualquer idioma; mas dentro de casa, somente a língua alemã.

Os descendentes da 2ª geração não herdaram o idioma alemão. A filha de Karin, por exemplo, que falava e compreendia a língua alemã, após casar-se, deixou aos poucos de praticá-la e, consequentemente, não ensinou para seus filhos. Assim, na família, somente os mais antigos ainda falam o alemão. “Se não tivéssemos preservado a língua alemã não teríamos essa grande herança que temos hoje. As pessoas deveriam preservar bem mais a sua cultura, não importa a sua etnia. Isso é muito importante para a formação do ser humano”, afirmou Karin.

Ela participa ativamente do Grupo Folclórico Germânico “Alte Heimat”, que tem como missão, desde sua fundação em 1964, preservar a consciência étnica, os costumes, as músicas, os trajes e danças da Alemanha, Áustria e Suíça.


Grupo Folclórico Germânico

Alte Heimat

Karin aprendeu com a avó a fazer trabalhos manuais como bordados, tricô e crochê, que pratica até hoje – ela ainda preserva uma peça francesa (tela bordada) que era de sua avó quando solteira e já tem 150 anos de idade. O pai dela aprendeu com seu avô o artesanato da madeira – quando Karen e o irmão eram crianças, ele produzia brinquedos (bonecas, carrinhos, caminhões e outros) para dar de presente a eles.

Ela mantém as tradições culinárias e citou vários pratos que típicos alemães, os quais, de um modo geral, são criados a partir do consumo da carne de porco. Falou um pouco sobre como, nos tempos difíceis da guerra, armazenavam a comida que era escassa – colocavam a carne de porco levemente frita na banha em latões grandes de margarina, e era isso o que os mantinha, principalmente nos meses de inverno. Trouxeram essa cultura quando vieram para o sul do Brasil, onde era muito frio como na Alemanha, um período em que os imigrantes ainda passavam por grandes dificuldades.

Uma dessas comidas, feita com o Einsben (joelho do porco) e servida com purê de maça, considerada até como um “prato fino” nos tempos de guerra, era na verdade uma alimentação criada com as partes menos nobres do porco (sobras) que não eram aproveitadas pelos que tinham mais condições – algo culturalmente análogo à “feijoada brasileira”, que os negros criaram com as sobras das carnes que não eram consumidas pelos seus “senhores” e que eram temperadas fortemente para que juntamente com a gordura se aquecessem no frio.


Foto Wikimedia Commons

Karen disse que ainda criança aprendeu com os avós a fazer Wienerwurst – as salsichas ou a “vina”, como são chamadas no Paraná – e linguiças, a princípio só com a carne de porco, e depois com carne de porco e de gado, retirado as gorduras, além de vários pratos que são à base de salchichas. Ela revelou que na Alemanha existem mais de 1.500 diferentes tipos de salsichas.

Karin lembrou também do Spatzle, uma massa de macarrão feita em casa, recortada com uma espátula diretamente na água fervendo – é feito com ovos, farinha e sal, e regado com molho. Quase todos os pratos salgados alemães têm o acompanhamento de batatas e outros legumes cozidos e chucrute. Dos doces, citou o Strudel, feito com uma massa folheada, de preferência feita em casa, que depois é recheada com maçã, açúcar, canela; as Lebkuchens, bolachas decoradas misturadas com mel que são produzidas, principalmente, em épocas comemorativas religiosas, tanto para o Natal como para as celebrações da Páscoa.


Strudel

Foto Wikimedia Commons