NAIM AKEL FILHO

NAIM AKEL FILHO


O texto a seguir foi publicado originalmente no livro "Sultaque - Identidade Cultural - Sotaque Curitibano"

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Zilá Maria Walenga Santos

Naim Akel Filho

Descendente Sirio Libanês

Naim, 63 anos, é brasileiro descendente de árabes sírio-libaneses. Seu pai veio da Síria e sua mãe é de origem libanesa. Ele contou que, na imigração ao Brasil, em geral, os árabes enviavam primeiro um membro da família, normalmente o mais velho, que vinha conhecer o país e tentava se integrar à sociedade – depois, vinham os demais membros da família. No caso da família de Naim, quem veio para o Brasil inicialmente foi o irmão mais velho do seu pai; na sequência, outros dois irmãos chegaram ao país; e, alguns anos depois, quando já estavam estabelecidos, vieram a avó, o pai e mais alguns irmãos e irmãs, pois as famílias árabes eram muito numerosas na época. O avô paterno de Naim faleceu ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Aprendizado da língua portuguesa

Os familiares de Naim chegaram em Curitiba sem falar uma palavra em português, utilizando a língua árabe para se comunicar e fazendo todo esforço possível para aprender a língua portuguesa. Seu pai chegou ainda muito criança e foi estudar em um grupo escolar no qual se alfabetizou – esse é um dos motivos porque a vida inteira sempre falou com muita precisão todas as palavras em português.

Naim lembrou que uma pessoa que se alfabetiza ou aprende uma língua um tanto mais tarde acaba pronunciando as palavras exatamente como elas são escritas, por isso seu pai sempre falava as palavras com precisão. Para ele, a dificuldade em aprender a língua portuguesa é uma característica de todos os imigrantes, especialmente daqueles, cuja língua pátria não é latina e não têm as mesmas raízes do português. Dessa forma, muitos aprendem o idioma já adultos e se expressam muito graficamente, pronunciando as palavras exatamente como elas são escritas.

Ele disse que os estados brasileiros que recebem imigrantes de países com línguas distantes da portuguesa, não só do oriente árabe, mas asiáticos (japoneses, chineses), ucranianos, poloneses, iugoslavos, entre outros, acabam tendo a pronúncia mais acentuada das palavras. “Talvez por isto, no Paraná, as palavras são pronunciadas mais corretamente. Esses imigrantes e seus descendentes são responsáveis pela manutenção das palavras como elas são escritas. Se não fosse por eles, talvez estivéssemos escrevendo 'leiti' invés de leite, como é a origem da palavra”, opinou.

Naim é professor de neurociência. Assim como o observado no depoimento da dra. Ursula Marianne Simons, psicoterapeuta, em relação ao aprendizado de línguas pela criança, ele disse que o cérebro tem um momento ideal para apreensão da língua. “Este processo é natural, iniciado no momento em que a criança interage com o mundo adulto e suas estruturas mentais e cerebrais, propícias a linguagem, se moldam aos primeiros estímulos sonoros vindos do meio. Então, quando se cresce num ambiente envolvido numa língua, aprende a dizer mamãe, papai, o beabá naquela língua, ela se torna muito familiar, o que permite várias variações – por mais que essa expressão seja redundante, ela é importante, são várias variações sobre o mesmo tema e aí começam a surgir os diversos sotaques, abreviaturas, sinônimos e outras formas de falar a mesma coisa, o discurso cantado, etc”, relatou.

Naim explicou ainda que, quando se aprende uma segunda língua de modo formal, normalmente a pessoa procura se fixar na forma como ela é grafada. “É como uma aquela palavra que aparece escrita no cérebro letra por letra e você assim a pronuncia. Por isso, é difícil para nós o tal do sotaque quando falamos em inglês, por exemplo, a tendência é repetirmos a palavra como ela é escrita. Então, ao invés de dizermos 'let it be', a vontade é dizer 'LETE ITE BI', porque é como a expressão é escrita e dessa forma aparece na nossa mente. Precisamos nos forçar e repetir a exaustão para pegar a pronúncia. Assim, quando chegamos nos Estados Unidos ou na Europa, todo mundo vê que somos estrangeiros”, destacou.

Preservação da cultura

Naim disse que ele e os seus irmãos tiveram o privilégio de ter um pai e uma mãe que, apesar de falarem muito de suas origens étnicas, apresentando a música e as tradições árabes, sempre os estimularam a se integrar na sociedade, viver e se sentir como brasileiros. Por essa razão, não aprenderam a língua dos seus pais – são em cinco irmãos e somente os mais velhos ainda falam algumas palavras e têm um certo domínio da língua árabe; os demais sabem pouquíssimas palavras, uma delas, que usam como se fosse do português é “Gido”, que significa avô em árabe. “As crianças árabes são estimuladas naturalmente a nos chamar assim. Dessa forma, algumas pessoas achavam que meu avô se chamava Gido, como se fosse nome próprio, e alguns netos o chamavam de 'Avô Gido', ou seja, duas vezes avô, uma em árabe e outra em brasileiro”, contou.

Ele contou que, na sua família, sempre houve muito orgulho da cultura e da origem árabe e que não compreende porque não houve a aculturação da língua. Seus pais sempre falavam em árabe entre si em casa, e quando perguntava o significado de alguma palavra eles davam a tradução. Ele acha que houve um pouco de desinteresse dele e dos irmãos em aprender o árabe. “Hoje em dia, só se fala em aprender o inglês, no utilitarismo da língua, que vai servir para os negócios, para as viagens. Por isso, não há o estímulo à conservação da língua dos ancestrais, principalmente da língua árabe, que é difícil e muito diferente do português”, confirmou.

Ele relatou ainda que sua mãe em especial os estimulava à irem para a Igreja Ortodoxa de São Jorge, que sempre foi o centro de preservação da cultura árabe. No local, havia um grupo folclórico e cursos de idioma e escrita árabe, que frequentou com os irmãos por algum tempo. Mas novamente atribui ao desinteresse de todos em continuar e aprender o motivo por não terem uma segunda língua.

Independente de não falar o idioma, a cultura árabe está presente literalmente na “pele” de praticamente toda a família. Naim revelou que todos os seus sobrinhos têm alguma palavra árabe tatuada no corpo – o sobrenome Akel ou uma outra expressão em árabe. Todos preservam a religião ortodoxa – muitos também frequentam a Igreja Católica, mas não deixam de ir à Igreja Ortodoxa de São Jorge.

Naim disse que todos na família sabem cozinhar a comida árabe e que esses alimentos estão presentes no dia a dia de todas as gerações: quibe, arroz sírio, tabule, esfirra, colhada seca e Babaganuche. Lembrou ainda que os homens árabes mantêm o gesto tradicional do beijo quando se encontram.

Conflitos socioculturais

Naim contou que sua famíla não passou por nenhum tipo de conflito no Brasil, mas que todos carregam esse tipo de sentimento, que acredita também fazer parte de outros grupos étnicos. “Em sua grande maioria, as migrações foram movidas por dificuldades, por necessidades, ninguém sai do seu país quando está tudo bem. Normalmente, as ondas migratórias vêm motivadas por muita dor e sofrimento, não é só a busca de um lugar melhor, é muitas vezes a busca pela sobrevivência. E com os árabes não foi diferente”, lembrou.

Ele disse que essa ligação um pouco dolorosa que se estabelece com o país de origem talvez seja uma explicação de um desejo muito forte que os imigrantes têm de se aculturarem e aprenderem a cultura do local onde estão vivendo, de curtirem integralmente o país. “Somos brasileiros de coração, nós vestimos camisa verde-amarela, nos sentimos integrados na sociedade brasileira. Mesmo os árabes que chegaram recentemente já nutrem esse amor que pelo país, até como forma de curar suas feridas”, afirmou.

Naim citou o romance “Lawrence da Arábia”, que mostra questões de choque culturais entre o ocidente e o oriente. “Na história, um ocidental percebe a lógica de funcionamento da cultura oriental e se apaixona por ela, e então não consegue mais viver tranquilamente com a sua cultura ocidental. E esse entendimento se aplica a quaisquer outras culturas que são diferentes, porém é possível ser perfeitamente feliz numa e noutra, mas é difícil transformar uma na outra”, contou.

Ele disse que, no caso dos árabes vindos para o Brasil, só cabia se integrarem à sociedade ocidental, à sociedade brasileira e viver como um ocidental, como um brasileiro e não formar um quisto no país. Por isso, procuraram compartilhar o melhor de sua cultura com o Brasil e contribuir para o crescimento e para a diversidade da nação. “O esforço da comunidade árabe sempre foi no sentido de mostrar a riqueza da cultura e combater o preconceito – como são culturas muito diferentes, elas normalmente são geradoras de preconceito”, afirmou.

Naim Akel Filho é graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (1980). Atualmente, é professor auxiliar III da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e autônomo. Tem experiência na área de Psicologia Clínica, com ênfase em processos Psico-Fisiológicos. Mestre em Educação pela PUCPR, com ênfase em EAD de Neurociência. Coordena a especialização em Neurociência da PUCPR e é responsável pelas disciplinas "Neurociência Aplicada à Psicologia" e "Fundamentos Psicobiológicos do Comportamento Humano".