SATURNINO HERNANDO GORDO

SATURNINO HERNANDO GORDO

O texto a seguir foi publicado originalmente no livro "Sultaque - Identidade Cultural - Sotaque Curitibano"

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Zilá Maria Walenga Santos

Saturnino Hernando Gordo, imigrante espanhol

Natural de Cellorigo, La Rioja, Espanha

Vinda para o Brasil

0 Sr. Saturnino chegou ao Brasil em 1959, vindo de Madri para o Rio de Janeiro, no período pós

II Grande Guerra Mundial, aos 26 anos. Veio sozinho em busca de uma nova vida. Deixara para traz sua família, eram quatorze irmãos em situação extremamente precária, devido a devastação econômica que ocorreu advinda da guerra. Não havia condições socioeconômicas de continuar lá em meio aquele sofrimento, sem vislumbrar qualquer perspectiva de melhora. Seu maior objetivo era reunir condições financeiras para poder ajudá-los.

Chegou ao Rio de Janeiro, sozinho sem conhecer ninguém, e com parcos 100 dólares para sobreviver. Arrumou um trabalho por cinco dias que juntava o suficiente para pagar o hotel República que ficava na Praça da República. Trabalhou também na construção da Catedral e passou muitas necessidades, até que foi trabalhar numa empresa alimentícia de origem argentina e lá ficou por três meses. No entanto, não se acostumou ao clima do Rio de Janeiro, e como sua intenção era ir para o sul, especificamente para a Argentina em razão do idioma, saiu de lá e por circunstancias da vida, acabou vindo para Curitiba.

Chegando em Curitiba - 1960

Não conhecia ninguém quando aqui chegou em outubro de 1960, a quem pudesse recorrer. Estava se sentindo meio perdido na antiga rodoviária do Guadalupe, quando lhe informaram que o Centro Espanhol do Paraná ficava ali perto, onde ele poderia ser ajudado, porém só abriria no fim de semana. Não tinha outra alternativa senão esperar. Arrumou um '`bico'' para ganhar por hora e dormia na cabine de um caminhão, até que finalmente chegou o sábado e contatou os patriotas do Centro Espanhol, que além da calorosa acolhida já lhe apresentaram a outros espanhóis.

Como do destino nada sabemos, conheceu então, uma mulher que estava com seu pai e seu irmão, só não sabia ainda é claro, que ela seria sua futura esposa.

Por indicação da comunidade espanhola, começou a trabalhar como fotógrafo e percorreu o Brasil tirando fotos que ele mesmo revelava e vendia. Assim começou a trilhar a profissão. De fotógrafo. Mais tarde se empregou em um estúdio de fotografia que ficava na Praça Zacarias. Lá aprendeu tudo sobre a magia da arte fotográfica. Faziam na época milhares de fotografias de crianças nas escolas "aquelas com a caneta na mão" lembrou ele.

Assim sua vida tomou um rumo. Dois anos mais tarde, reencontrou lá no Centro Espanhol aquela mulher que lhe encantou e que nunca mais tinha visto, porém não a esquecera, namoraram e casaram, hoje essa união já conta com 55 anos.

Foram trabalhar temporariamente em Montes Claros com fotografias, foram sem nada, mas conseguiram superar e de lá voltaram com um carro. Já tinham um filho então que havia ficado com os pais dela. Seu sogro, Pedro Barco, tinha então um fábrica pequena de bilhares e o convidou para trabalhar lá e ele aceitou.

Sentia-se feliz e muito grato por tudo que o Brasil sempre lhe proporcionou, e passados os primeiros tempos até se firmar em Curitiba, ele conseguiu ajudar sua família que ficara na Espanha, e também seus patriotas, que assim como ele, chegavam em situação precária necessitando de ajuda.

1973 Consulado da Espanha em Curitiba

Reconhecimento da colônia espanhola, foi convidado e empossado Consul Honorário da Espanha, cargo que assumiu com humildade e com muita vontade de ajudar seus patriotas. Lhes acolhia provendo suas prementes necessidades, amparando-os para que assim como ele, também se socializassem com a comunidade curitibana, e tivessem estudo e profissão que lhes garantisse meios de subsistência.

Se desdobrou para cumprir as premissas do Consulado, indo além das atribuições inerentes ao seu cargo, zelando pela instituição a qual representou ao longo de 42 anos de sua vida. Em 2015 recebeu da Câmara Municipal de Curitiba, o título de Cidadão Honorário de Curitiba, e este título ele dedicou título publicamente a todos os imigrantes espanhóis de Curitiba.

Hoje quem assume as funções como Consul da Espanha em Curitiba, é sua filha Sra. Blanca Hernando Barco, que sempre esteve ao seu lado nessa jornada.

Preservação do sotaque estrangeiro e a língua portuguesa

O Sr. Saturnino fala o português de forma mesclada com o espanhol. Contou que não conseguiu aprender e nem escrever o português direito. Seus filhos compreendem e falam o espanhol, diferente dos seus netos, que compreendem, mas não falam porque a língua doméstica deles é a língua portuguesa, e falam bem o português. 0 pouco que sabe da língua portuguesa não aprendeu na escola. Já chegou em Curitiba formado na Espanha, e tentou fazer aulas em escola de Curitiba, mas não entendia nada. Aprendeu ouvindo os brasileiros e pelos meios de comunicação, principalmente os jornais locais.

O maior fator para essa dificuldades, foi que na verdade ele pouco precisou da língua portuguesa para o trabalho, pois sempre esteve envolvido com a comunidade espanhola, principalmente pelo longo período que esteve à frente do Consulado da Espanha em Curitiba. Além disso, o fato de que em casa só falavam o espanhol, dificultou esse aprendizado.

Sobre a pátria Espanha e o Brasil

Nos disse que tem duas pátrias: a Espanha que lhe deu "seu nascer e estudo", e o Brasil que lhe deu “os meios para ser quem ele é e até onde chegou, com dignidade e com o apoio dos espanhóis e brasileiros”. Da Espanha trouxe tudo que pode que representa sua pátria, fotos, brasões da família e nacional, escudos, reliquias das touradas, impressos, literatura e a arte lindamente representada em telas e esculturas que adornam a casa em estilo Castelhano, toda feita de pedras.

Nos disse que tentou voltar a morar na Espanha, mas não conseguiram se adaptar. O coração e suas vidas já estavam conquistadas pelo Brasil, e pela nossa cidade que lhe acolheu.

Essência da vida

Amor incondicional proferido nas palavras contidas de emoção e pelo olhar marejado ao pronunciar a palavra "esposa" companheira da vida a quem atribui tudo que almejou e alcançou.