URSULA MARIANNE SIMONS

URSULA MARIANNE SIMONS

O texto a seguir foi publicado originalmente no livro "Sultaque - Identidade Cultural - Sotaque Curitibano"

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Zilá Maria Walenga Santos

Ursula Marianne Simons

Descendente de alemães

Ursula nos levou praticamente por 300 anos nas origens e histórias das famílias do seu pai e de sua mãe. A família do seu pai viveu na Alemanha até o século 16, no ano de 1700. A convite de Catarina, a Grande, foram para a Rússia, mas sempre se mantiveram como alemães, pois lá havia escolas, igrejas e a comunidade alemã. Depois de muito tempo, com a Revolução Comunista de 1917, eles foram perdendo tudo que tinham. Em 1930, regressaram para a Alemanha, que não pode recebê-los por causa da grande recessão por qual o país passava. Dessa forma, o governo distribuiu os alemães em grupos e a família foi dividida e enviada para o Canadá, Paraguai e Brasil.

O seu avô foi para Santa Catarina, numa região que Ursula definiu como caldeirão, pois não havia saídas. Começaram da estaca zero, sem nada, cortaram árvores e construíram seus barracos. Foram autorizados a plantar e produzir para sua subsistência, porém, por mais que se esforçassem, não conseguiam escoar a produção, pois não havia passagens para caminhões.

Não falavam o idioma português e isso dificultava ainda mais a convivência e subsistência naquele local. Vieram para Curitiba e foram para uma colônia alemã que havia sido montada no bairro Boqueirão.

O bisavô materno de Ursula saiu da Alemanha em 1864, aos 16 anos de idade, fugindo de casa. Veio para o Brasil num veleiro. Quando chegou em São Francisco do Sul (SC), ele fugiu, pois não falava o português. Além de não conhecer ninguém, não tinha dinheiro, e com muita dificuldade chegou em Curitiba, indo morar na colônia alemã. Mais tarde, casou, teve seus filhos e continuou morando em Curitiba. Depois, os pais de Ursula se conheceram, casaram e tiveram três filhos.

Dificuldades com a língua portuguesa

Adolescente, o pai de Ursula recebeu uma bolsa de estudos e foi mandado para uma escola muito boa no Rio Grande do Sul, em São Leopoldo. As irmãs dele foram para Blumenau (SC) trabalhar como babás e lá aprenderam o português – os avós de Ursula jamais aprenderam a língua portuguesa.

Em São Leopoldo, ele se formou e trabalhava como professor de língua alemã. Falava muito bem as duas línguas, o português e o alemão. Pouco tempo depois de formado, começou a Segunda Guerra Mundial e a língua alemã foi proibida por determinação de Getúlio Vargas, que implantou a Campanha de Nacionalização, na qual, entre outras proibições, era expressamente proibido falar e ensinar línguas estrangeiras nas escolas. Por isso, não pôde mais lecionar.

Ursula conta que na família e na comunidade em Curitiba nunca ouviu falar sobre qualquer episódio a respeito das proibições, ou outros relatos de repressão, a ponto de queimarem livros e proibirem os filhos de falar alemão. Seu tio, inclusive, possui até hoje uma vasta biblioteca com mais de mil títulos escritos em alemão, desde os mais antigos aos recentes, e todos continuam falando a língua alemã, o que indica que essas proibições não ocorreram em Curitiba, ou não foram tão austeras como em outros estados brasileiros.

O pai de Ursula voltou para Curitiba para encontrar com sua família e suas irmãs também vieram embora de Santa Catarina, pois não tinham mais condições de sobreviver lá. Ele buscou trabalhos fora de sua profissão para se manter e acabou casando e formando uma família. Mais tarde, o conhecimento perfeito que tinha do alemão foi transmitido para os três filhos, tanto que quando vão para a Alemanha ninguém percebe que não são alemães. O português também é perfeito, não possuem sotaque, o que evidentemente se deve ao bom ensino da língua portuguesa e a convivência com a comunidade curitibana.

Aprendizado da língua e preservação da cultura

Ursula lembra que as crianças têm muita facilidade em aprender línguas simultaneamente e sabem exatamente com quem devem falar determinada língua. No seu caso e dos seus irmãos, todos sabiam que dentro de casa se falava alemão, mas ao saírem de casa se falava o português, mesmo entre a família – diferente das outras crianças que foram criadas dentro das comunidades, nas quais as pessoas só falavam alemão e as crianças só iam aprender a língua portuguesa quando entravam na escola.

Ursula e os irmãos sempre moraram cidade, nunca na comunidade alemã, conviviam com as crianças dos vizinhos e assim foram aprendendo a falar o português. Dessa forma, aprenderam os dois idiomas simultaneamente, e preservaram a língua alemã e por sua vez, transmitiram também para os seus filhos, e acredita que essa cultura familiar, quanto à preservação da língua pátria será mantida em sua família, ainda que já miscigenada com outras origens étnicas.

Sotaque curitibano

Em relação ao “jeito” do curitibano falar, Ursula entende que tem muito a ver com a imigração ocorrida no Sul e a busca do aprendizado do português. Cada região tem influência pelos povos que recebeu e, em Curitiba, houve uma imigração muito forte de alemães, ucranianos e poloneses, que não têm a forma de falar dos portugueses – que influenciaram o sotaque de várias regiões do Brasil, como o chiado no final das palavras vistos em quem vive em Florianópolis e no Rio de Janeiro. Ela acredita que a forma de falar dos imigrantes contribuiu também para a forma silábica do Curitibano falar, que é engraçada para várias pessoas, mas é entendida por qualquer brasileiro.

Ela lembra que é difícil entender alguns sotaques de algumas partes do Brasil, como o mineiro, que na sua visão engole boa parte do que falam, mas o curitibano é claro e correto e todos entendem.

Notas

1 .Ingo Henrique Hübert, irmão de Ursula, após minuciosa pesquisa, editou um livro na língua alemã sobre a história da família. Título: Ein Blick ans Dem Fenster (edição limitada).

2. Ursula Marianne Simons é formada em Filosofia Pura e Psicologia pela UFPR. Especializou-se em Psicopedagogia, em Psicomotricidade pelo Método Ramain e em Metodologia de Ensino nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Realizou estudos na Europa sobre estratégias de desenvolvimento do raciocínio lógico na criança e passou a assessorar escolas particulares e públicas como psicopedagoga.